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A história (quase) esquecida do Carnaval de Valadares

Entre as décadas de 40 e 60, o Carnaval na cidade foi um dos maiores de Minas Gerais

GOVERNADOR VALADARES – O Carnaval de Governador Valadares, outrora um espetáculo vibrante e enérgico que rivalizava com as maiores festas carnavalescas de Minas, agora reside nas páginas empoeiradas da história local. Para entender melhor esse capítulo (quase) esquecido da cidade, o DIÁRIO DO RIO DOCE entrevistou a jornalista e escritora Zana Ferreira, autora do livro “Lantejoulas ao Vento”. Uma obra que imerge nas memórias do Carnaval valadarense do seu auge até a decadência.

Anos dourados

Os anos dourados do Carnaval valadarense, entre as décadas de 40 e 60, percorrem a história e refletem o estado de espírito de parte da população daquele tempo. A perspectiva de uma cidade com grande potencial econômico em Minas Gerais transbordou no Carnaval que arrastava multidões de dentro e fora do município. 

“Naquela época, o Carnaval de Valadares dominava com folga a região”, destaca Zana Ferreira. “Era um ponto de referência para foliões de diversas partes de Minas Gerais e até mesmo de outros estados. Os hotéis e pousadas ficavam lotados e a cidade pulsava com uma energia contagiante.”

Os dois clubes da cidade, o Minas e o Ilusão, eram os protagonistas, promovendo bailes em suas sedes e desfilando com carros alegóricos pela Avenida Minas Gerais. “Ambos promoviam bailes animados em suas sedes e, além disso, confeccionavam carros alegóricos para desfilar na Avenida Minas Gerais. Esse era o ponto alto da festa, e até hoje a beleza desses carros é lembrada pelos antigos foliões.

Zona Boêmia

A Zona Boêmia, que teve muita importância na mesma época, também desfilava na avenida junto ao Minas e Ilusão, mas nos carros das boates os destaques eram as mulheres em trajes curtos”, disse Zana. 

“Além dos bailes dos principais clubes, salões menores e bares também promoviam festas carnavalescas. Aliás, assim como hoje têm várias festas de pré-carnaval em cidades tradicionais, como Rio e BH, aqui antigamente existiam os “gritos” carnavalescos, que também eram a abertura do Carnaval. Tudo isso já movimentava a cidade de modo geral, mas com o surgimento das escolas de samba, a partir do meio da década de 50, essa participação cresceu ainda mais”, ressaltou a escritora.

Primeira escola de samba

No início, os clubes eram os grandes responsáveis, tanto por festas privadas, quanto pelo desfile gratuito na avenida. Também entraram nesta festa as escolas de samba em Governador Valadares na década de 1950.  Antônio Paulino foi o responsável por criar a primeira escola de samba valadarense, chamada Bate-Papo, em 1955. Logo em seguida, um dos integrantes da Bate-Papo, que também havia passado uma temporada no Rio de Janeiro, fundou outra escola de samba na cidade, a Milionários do Ritmo. Essa iniciativa trouxe uma nova forma de participação no Carnaval, por meio das escolas de samba. E contribuiu para movimentar e enriquecer as festividades carnavalescas em Governador Valadares.

Marchinhas

Já as marchinhas eram o ritmo dominante nessas mais de duas décadas de Carnaval. Mas também havia espaço para os hits de cada época, como as músicas de discoteca e depois o axé, já a partir dos anos 80. Outra curiosidade da festividade é sobre os blocos que desfilavam antes das escolas de samba. Naquela época, eram compostos por associados dos clubes, que engajaram muito na festa, principalmente com fantasias chamativas para se destacarem em competições internas das agremiações.

Entre os momentos memoráveis, Zana destaca a criatividade dos foliões e o espírito irreverente da festa. “A dupla de foliões sátiros Ivo Tassis e Arnóbio Pitanga, com suas fantasias e críticas, era uma atração à parte”, diz ela. “E o carro alegórico ‘Eva’, da Zona Boêmia, com uma mulher dentro da boca de uma grande cobra, é lembrado até hoje. Além disso, algo que hoje para nós é inusitado, era o fato do lança-perfume ser, em meados da década de 60, algo livremente consumido pelas famílias durante a folia. Os pais compravam para a família toda, até as crianças usavam. É um retrato de uma época bem diferente”, conta.

Declínio e nostalgia

Mesmo assim, entre fantasias e alegria, o declínio gradual do Carnaval de Governador Valadares foi inevitável. Assim, o fim da festa teve um impacto profundo na comunidade e na cultura local.

“É possível traçar um paralelo entre a festa carnavalesca antiga e a economia da cidade. Quando a economia era forte, o mundo privado financiou a festa e a fama daqui atravessava fronteiras. Quando a economia enfraqueceu, a festa foi perdendo certa “aura” e diminuiu de tamanho, mudando sua configuração. Gosto de ressaltar que a festa não necessariamente ficou pior, mas ficou diferente. Só que aquela sociedade da época quis manter um determinado modelo que dependia de dinheiro para financiar. Sem esse dinheiro (pois a Prefeitura nunca assumiu os mesmos moldes, em termos de financiamento), a festa foi “decaindo” até acabar. Vale questionar para quê e para quem era a festa: para atrair turistas e fazer fama ou para valorizar e divertir as pessoas da cidade? Esse tipo de questionamento revela muito sobre os costumes locais”, avaliou Zana Ferreira.

O fim do Carnaval, como a grande festa da cidade, deixou um sentimento de luto e tristeza geral, principalmente para aqueles que tinham ligação muito próxima com a festa. Para os chefes de escola de samba, que lutaram muito por recursos e pela doação de terrenos para montar as quadras de suas escolas, estes ficaram com sentimento de mágoa e frustração. Para os foliões, ficou o sentimento de abandono, pois foi uma tradição muito grande que morreu.

Atualmente, o movimento cultural de festividades carnavalescas se transforma e ganha novas fantasias. Assim, enquanto o Carnaval (quase) esquecido de Governador Valadares permanece como uma lembrança distante, há esperança de que novas tradições ressurjam, revitalizadas pelo espírito festivo e pela paixão da comunidade.

“Acho que toda manifestação cultural tem que ser reflexo do seu tempo, ou então as pessoas não vão se conectar. Tentar colocar um molde fechado em nome de uma antiga tradição não fará sentido se não for o tipo de festa que as pessoas realmente queiram. Nossa cidade tem tido diversas manifestações carnavalescas, o que é ótimo, dá pra abraçar vários públicos e gostos. O que precisa para isso durar, crescer e se tornar cada vez mais democrático é que o poder público esteja alinhado com a filosofia das pessoas (e não o contrário) e dê condições para [que] a(s) festa(s) perdure(m)”, observou Zana Ferreira.

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