Economia

Combustível limpo para avião atrai gigantes do mercado

São Paulo – Enquanto laboratórios de pesquisa validam processos para o começo da produção de SAF (combustível sustentável de aviação) em escala industrial no país, companhias do setor de energia e petróleo se movimentam para fornecer a matéria-prima, fabricar ou distribuir o combustível nos próximos anos.

Uma das saídas para a descarbonização do setor, o SAF polui até 80% menos do que o querosene tradicionalmente usado pelas companhias aéreas. No entanto, ainda é caro e possui volumes insuficientes para dar causa de toda a demanda.

Mateus Lopes, diretor de transição energética e investimentos da Raízen, diz que a empresa está acompanhando a evolução do segmento no Brasil e na Europa.


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No ano passado, a Raízen anunciou ter ganhado um certificado emitido pela Oaci (Organização da Aviação Civil Internacional), atestando que o etanol da companhia, produzido no parque de bioenergia Costa Pinto, em Piracicaba (SP), atende aos requisitos para ser usado na produção de SAF.

De acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o SAF pode ser produzido a partir de várias fontes, como biomassa (caso do etanol), óleos vegetais, gordura animal, gases residuais, entre outros.

Segundo Lopes, a certificação foi o primeiro passo para adentrar o mercado.

“A gente está acompanhando. Hoje, na prática, mesmo se a Raízen quisesse [produzir SAF], não tem uma tecnologia validada de escala industrial”, afirma.

“Em potencial de logística e de redução de emissões, faz muito sentido a gente produzir localmente esse combustível de aviação e exportar em vez de vender o etanol de primeira ou segunda geração para os Estados Unidos ou para a Europa”, diz ele.

Já a Petrobras prevê concluir, após 2028, a instalação de unidades dedicadas à produção de bioquerosene de aviação e diesel renovável na RPBC (Refinaria Presidente Bernardes), em Cubatão (SP), e no Gaslub, antigo Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro).

Em dezembro, a estatal anunciou um contrato com a empresa do setor petroquímico Honeywell UOP para adquirir tecnologia capaz de produzir bioquerosene de aviação e diesel renovável usando como matérias-primas óleo de soja e sebo bovino.

A distribuidora Vibra (antiga BR), por sua vez, tem um acordo fechado para vender o SAF que será produzido pela BBF (Brasil BioFuels), empresa do setor de energia e biocombustíveis.

O combustível da BBF será feito a partir do óleo de palma, também conhecido como dendê, cultivado pela empresa na região amazônica. A companhia prevê investimentos superiores a R$ 2,2 bilhões para abrir uma biorrefinaria em Manaus que deve começar a produzir SAF e diesel verde a partir de 2026.

De acordo com a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo), em 2023, o volume de SAF produzido no mundo havia superado o patamar de 600 milhões de litros –o dobro do registrado no ano anterior.

O número, porém, correspondeu a somente 0,2% do uso global de combustível de aviação pela indústria.

No Brasil, não há ainda produção de SAF em escala comercial, segundo a ANP. A fabricação do combustível fica por conta de projetos menores em universidades, empresas ou instituições de pesquisa.

Enquanto a produção de SAF é baixa, o preço do combustível sustentável, segundo o setor, é cerca de três vezes maior do que o valor do QAV (querosene de aviação), já usado pelas companhias e que polui mais.

Em setembro, o ISI-ER (Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis) inaugurou o Laboratório de Hidrogênio e Combustíveis Avançados, também chamado de H2CA, em Natal. Lá é feito SAF a partir da glicerina e também por meio de gás carbônico capturado do ar e hidrogênio.

Segundo Rodrigo Diniz, diretor do Senai-RN, o processo para a produção do combustível –chamado de rota tecnológica– usado no laboratório deverá estar disponível para ser empregado na indústria, em escala comercial, já no segundo semestre deste ano.

Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) | Crédito: FIERN

O caminho escolhido pelo H2CA é chamado de “fischer-tropsch” – um dos sete processos para a produção de SAF previstos pela ANP. Nele, um processo químico transforma o hidrogênio e o monóxido de carbono obtidos da matéria-prima em um petróleo sintético – sem origem fóssil -, do qual é extraído o SAF.

Por dia, o laboratório produz cinco litros do petróleo sintético. Desse volume, quase 70% dão origem ao combustível “limpo” de aviação.

“Isso consome muita energia e precisa de estrutura de armazenamento. A gente, em laboratório, procura produzir a menor quantidade possível que valide a escala industrial”, diz Diniz.

O CIBiogás (Centro Internacional de Energias Renováveis), no Paraná, tem projeto para a produção de petróleo sintético por meio do biogás, que vem de resíduos orgânicos. O refino, para obter o SAF, será feito pela UFPR (Universidade Federal do Paraná).

Segundo o diretor de desenvolvimento tecnológico do CIBiogás, Felipe Marques, o objetivo é estabelecer o biogás como matéria-prima para a produção de combustíveis renováveis, em especial o SAF.

Atualmente, o projeto está treinando a equipe para o começo da operação.

As instituições responsáveis pelos projetos no Paraná e no Rio Grande do Norte buscam parceiros interessados em usar a metodologia desenvolvida nos laboratórios.

O uso de SAF é uma das apostas da aviação para reduzir emissões de gases causadores do efeito estufa no momento em que o setor aguarda a votação do projeto de lei no Congresso Nacional que trata do uso de combustíveis sustentáveis. A urgência do projeto foi aprovada em dezembro na Câmara.

Entre as medidas definidas pelo projeto está a criação do ProBioQAV (Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação), que obriga as empresas aéreas a diminuírem as emissões de gases do efeito estufa nos voos domésticos por meio do uso de bioquerosene de aviação, também conhecido como SAF.

O projeto de lei, apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quer incentivar o uso do biocombustível criando um cronograma de redução gradual das emissões por companhias aéreas: em 2027, a meta é reduzir emissões em 1%; em 2037, chega a 10%. (Paulo Ricardo Martins)

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