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LIMOEIRO: DA FAZENDA AO BAIRRO

Heleny Pena lançará livro sobre legado da família e crescimento do bairro

CARATINGA- A caratinguense Heleny Pena Machado lançará no dia 13 de outubro “Limoeiro, da fazenda ao bairro: Legado de Chico Pena e SadonAnna”.

Filha da professora Helena Pena e do alfaiate José Joaquim de Oliveira Filho, Heleny morou no Bairro Limoeiro com uma família de sete irmãos, até 1968, quando foi para o distrito federal estudar Medicina. No livro ela retrata o legado dos avós Chico Pena e SadonAnna e relata o período de 1910 a 1973.

Heleny mora em São Paulo e concedeu uma entrevista ao DIÁRIO para falar sobre o livro:

Quanto tempo a senhora morou no Bairro Limoeiro? Conte-nos um pouco sua história com o bairro.

Em minha certidão de nascimento consta como local do evento “Fazenda do Sr. Francisco Pena”, portanto minhas relações com o Limoeiro começaram exatamente em 1947, no dia 22 de setembro. Até meus 11 anos vivia em um Limoeiro rural, com pastos, terreiros e tulhas atoladas de sacos café, matança de porcos e galinhas e cachorros no terreiro. Muitas frutas no quintal, manga, goiaba, laranja, jabuticaba, banana e pés de cana caiana, além dos pés de limão até no meio do pasto. Muitos primos. Os homens correndo pelos pastos e as mulheres dentro de casa nas brincadeiras de menina.

Em 1958, eu, então com 11 anos, meus irmãos e primos fomos subitamente surpreendidos com o movimento de máquinas escavadeiras e de pás carregadeiras rasgando impiedosamente o verde, a quietude daqueles pastos e derrubando frutíferas carregadas. A efervescência causada pela novidade se impunha sobre nosso receio ou susto pelas mudanças que estavam por vir. Era o loteamento do bairro chegando dramaticamente diante de nosso espanto.

Após isso, nosso o espaço se transformou, nossas relações com outras crianças multiplicaram. Eram mais divertidos os caminhos cheios de poeira para escola, as brincadeiras ficaram cheias de terras e barrancos. Os lotes foram pouco a pouco sendo ocupados guardando, no seu DNA, as marcas de um bairro fora dos limites urbanos do município. As ofertas de água, luz e esgotamento sanitário eram resolvidas de forma precária. A socialização veio através de muitos meios naquela minha experiência juvenil. As amizades originadas no bairro se mantinham no colégio. Reuniões para dar aulas de catecismo, para assistir as missas, para comemoração de aniversários se multiplicavam. Os meninos frequentavam o campinho da rua São José, voltando imundos para casa. O córrego na avenida Ana Penna de Faria era local preferido das brincadeiras. Brincar no bueiro debaixo da Rio- Bahia era para meninos mais arrojados. Os piques- salva juntavam os maiores e a raia miúda. Já, um pouco diferente, as meninas também se aventuravam no lusco-fusco dos postes brincando de pique.

Com a passagem dos anos os estudos, os livros, as rádios, as revistas e a TV foram abrindo novos horizontes e colocando novas necessidades. Enquanto o bairro crescia meu horizonte mudou de direção e, em julho de 1968, me mudo do bairro após 20 anos como moradora. Depois foi sempre a volta, todo ano para festas e visitar a família e amigos.

Seu primeiro volume sobre a história da família foi “No tempo dos coronéis”, lançado em 2012. O que a senhora retratou neste livro?

Nesse livro eu contei a história de quatro filhos do Barão de Itaperuna (um deles avô de SadonAnna/ Ana Penna de Faria) que migraram para Ipanema e Santo Antônio do Manhuaçu e fixaram-se em propriedades rurais, na região. Eram daqueles proprietários de terra que naqueles tempos, compravam patentes de coronéis, capitães, ou tenente coronéis.

Conto como vivam, como participavam da política municipal. Dei destaque ao pai de minha avó SadonAnna, ao casamento de meu avô Francisco Pena e à vida de vários parentes de que eu desconhecia a existência até começar as entrevistas.

“Em Limoeiro, da Fazenda ao Bairro”, como foram as pesquisas e o que o leitor pode esperar do livro?

Foram cerca de cinco anos de procura por documentos que dessem conta do período que eu queria abranger. Desde a construção do casarão da fazenda em 1910 até sua demolição em 1973.

Consultei certidões de registro de imóvel com dados desde 1892; planta de medição topográfica da gleba de terras do Limoeiro de 1928; Certidões de nascimento, de óbito, batistérios; Planta de Loteamento do bairro Limoeiro de 1958, recibos de empresa de Terraplanagem; Inventários. Usei muitas fotos que mostrassem vestígios da vida rural e da transição rural para urbana. Realizei incontáveis entrevistas.

Conto muito a história de meu avô Chico Pena. Sua figura tranquila e sua trajetória de trabalho e simplicidade sempre me inspiraram. Aprendeu a ler e escrever com seu sogro já aqui no Brasil, mas dava imenso valor ao estudo. Mudou-se para Caratinga para ver os filhos estudarem. Ele queria que o casarão da fazenda se transformasse num museu. Já naquele tempo tinha uma visão de preservação. Para quem gosta de conhecer o passado da nossa cidade pode ser uma boa oportunidade porque mostro a vida daqueles homens e mulheres. O que construíram de material e imaterial, num tempo onde o modo de vida de produção do trabalho eram muito diferentes. Quero mostrar como a construção daquelas vidas é parte integrante de um passado de Caratinga. Que aquele ciclo ajuda a pensar no presente, como por exemplo a necessidade de preservarmos os nossos bens materiais, arquitetônicos e bens imateriais que só quem conta uma história pode recuperar. Imaginemos um casarão preservado e servindo de casa da Cultura para o bairro onde fossem partilhados a feitura de doces e quitandas hoje vistas como patrimônio imaterial. Certamente seria motivo de orgulho para seus moradores.

Quem foi Chico Pena e SadonAnna?

SadonAnna, era uma mulher enérgica, trabalhadeira, ordeira, que mantinha uma obstinada produção doméstica de doces, quitandas, carnes de porco enlatadas com gordura. Apesar de ser tida como “doente do coração”, criou nove filhos que viveram até a idade adulta. Produzia incansavelmente ternos, camisas de punho duplo para o marido e filhos. Administrava as tropas e os recursos delas advindos. Seu nome de batismo era Anna Cândida de Faria, neta do barão de Itaperuna, da família Corrêa de Faria. Como homenagem da família, seu nome foi dado à principal avenida do bairro, grafado como Av. Ana Penna de Faria.

Ela deixa um rico legado dos bens imateriais: receitas de doces e quitandas que circulam ainda nas gerações posteriores; a herança da energia de trabalho partilhada pelas filhas e netas; interesse no cuidado com a casa e sobretudo do humor sarcástico que acompanha as novas gerações.

No cotidiano era conhecida como SadonAnna, a companheira de Chico Pena. A família diz que se davam muito bem e que ele era calmo e tranquilo. Ela como autêntica Corrêa de Faria comandava com mão firme o seu pequeno mundo. Após sua morte Chico Pena abandonou o projeto rural já de olho nas perspectivas do crescimento urbano do município de Caratinga.

Chico Pena foi um português que veio para o Brasil aos 14/15 anos, analfabeto, descalço, saído da fome do norte de Portugal, no tempo do Brasil Império. Deve ter chegado com muita disposição para o trabalho. Até aos 25 anos trabalhou como tropeiro, depois dono de tropa. Aos 28 anos se tornou dono de venda mantendo também o movimento da tropa. Aos 39 anos se tornou proprietário rural. Aos 48, industrial ao fazer sociedade na Empresa de Força e Luz Coutinho e Penna; aos 53 anos abraça o ramo agroindustrial beneficiando café de produção de outros produtores e de sua própria. Ele tinha, desde sempre, o projeto rural partilhado com sua companheira, talvez inspirado em seu sogro Manuel Corrêa de Faria. A morte de SadonAnna, rompeu dramaticamente esse projeto e planos quando ele tinha 73 anos. Morreu aos 82 anos vendo já o bairro progredir.

Deixou um legado do amor pelo conhecimento: construiu a primeira escola de Santo Antônio do Manhuaçu nas primeiras décadas do século XX; fez a doação do terreno para a Escola Municipal do Limoeiro; incentivou ao máximo que todos os filhos estudassem em colégios renomados do estado de Minas.

Enfim, com olhar visionário idealizou um projeto de urbanização, que apesar das inumeráveis dificuldades do processo foi se consolidando e hoje é um importante bairro residencial do município.

Você encontrou muitos descendentes da família Pena? Conheceu familiares que não tinha contato?

Para este segundo volume eu já conhecia todos os meus informantes Penas ou não. Diferentemente do primeiro livro, no caso deste segundo livro, eu fui parte desses acontecimentos. Muito das histórias eu vivi, ou pensei ter vivido. Então os informantes viveram junto comigo as histórias aqui recuperadas.

Quando será o lançamento e deixe seu convite especial

Muito em breve. Convido os interessados no passado da cidade, em histórias de família, em conhecer os processos de transição rural urbana e aos Limoeirenses. Penso também que podemos trocar informações, conhecer fotos do antigo mobiliário do casarão, fotos lindas do Limoeiro atual. Estarei esperando vocês no Casarão das Artes. Rua João Pinheiro 154 as 19 horas. Dia 13 de outubro de 2023. Conto com vocês.

Heleny Machado

No registro, SadonAnna, avó de Heleny (sentada). Destaque ainda para Heleny no colo de sua mãe Helena Pena na fazenda do Limoeiro (foto: arquivo)

Fazenda da família é retratada no livro (foto: arquivo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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7 COMENTÁRIOS

  1. Cara, o artigo sobre Limoeiro: Da Fazenda ao Bairro me deixou intrigado. Será que rolou alguma história de amor proibido nessa fazenda? 🤔

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